1. O que é teologia?
Ao
longo da história da igreja, a teologia, bem como os teólogos, tem sido vista
ora como heroína, ora como vilã. Sim, a teologia é um travesseiro onde um lado foi
bem lavado e o outro está com cheiro de mofo, podendo deixar bem doente aquele
que nela repousar. Mas o que é realmente a teologia? Uma ciência? Arte?
Profissão? Vocação? Curso superior? É benéfica ou maléfica para a igreja? Para
responder satisfatoriamente tantas perguntas deve-se, em primeiro lugar, traçar
uma correta definição do que venha a ser teologia.
Geisler
(2010) definirá teologia como “o discurso racional a respeito de Deus” e
acrescentará que a teologia dita evangélica é o “discurso a respeito de Deus
que enfatiza a existência de certas crenças cristãs essenciais, que incluem a,
mas não se limitam à, infalibilidade e inerrância da Bíblia somente, a
tri-unidade de Deus, o nascimento virginal de Cristo, a divindade de Cristo, a
total suficiência do sacrifício expiatório de Cristo pelos pecados, a
ressurreição física e miraculosa de Cristo, a necessidade da salvação somente
pela fé – somente através da graça de Deus, baseada somente na obra de Cristo
-, o retorno corporal físico de Cristo a este mundo, a felicidade eterna e
consciente dos salvos, e o castigo eterno e consciente dos não-salvos.”
Já
Ferreira e Myatt (2007) vão conceituar como “a ciência que extrai o
conhecimento de Deus e de sua revelação, que estuda e pensa sobre ela sob a
orientação do Espírito Santo e então, tenta desenvolvê-la de forma a honrar a
Deus.” O autor também diferencia os conceitos de teologia e religião, afirmando
que esta última é uma pesquisa sobre todas as religiões e seitas mundiais que
usa de várias ferramentas metodológicas, tais como sociologia, antropologia,
entre outras. Já a teologia é mais especializada, por tratar das doutrinas e
temas de uma religião específica.
Erickson
(2015) vai iniciar sua definição lembrando que o ser humano é
“incorrigivelmente” religioso e, portanto, sempre estabelecerá contatos entre
ele e o divino e, nesse contexto, a teologia é “o estudo ou a ciência de Deus”,
ou: “é a disciplina que procura afirmar, de modo coerente, as doutrinas da fé
cristã, fundamentada principalmente nas Escrituras, situada no contexto da
cultura em geral, verbalizada numa linguagem atual e relacionada com questões
da vida”. O autor também considera importante diferenciar teologia e religião,
afirmando que a primeira está para a última assim como a psicologia está para
as relações humanas.
O
que há de comum nas três definições? Primeiro, todos os autores buscam dar um
conceito amplo de teologia como ciência que estuda o divino e, nesse contexto,
toda religião tem sua teologia própria, mas também nos fornecem o conceito
restrito, que é o conceito de teologia evangélica. Portanto, devemos ter em
mente que teologia não é restrita ao cristianismo e sua vasta amplitude nos
motiva a caracterizar sobre qual tipo de teologia estamos considerando. Vale
ressaltar que dentro do próprio cristianismo encontramos diversas
“sub-teologias” que carregam inúmeras diferenças conceituais.
A
teologia cristã tem 5 divisões principais, são elas:
a) Teologia
Bíblica: trata da base bíblica da teologia.
b) Teologia
Histórica: é o debate teológico sobre diversos temas ao longo da história.
c) Teologia
Sistemática: é a construção de um sistema de ideias básicas dentro da teologia
que englobe o conjunto completo da revelação de Deus.
d) Apologética:
proteção da doutrina cristã contra os ataques externos.
e) Polêmica:
proteção da doutrina cristã contra os ataques internos.
Todas essas divisões são importantes e precisam ser
desenvolvidas no âmbito das igrejas e seminários. Cada uma possui metodologia
própria, porém, a base para todas elas é a Bíblia sagrada como revelação
especial de Deus.
Erickson (2015) nos fornece 5 aspectos básicos da
teologia cristã:
1.1. É
bíblica: ou seja, toda sua base é a Palavra de Deus e não é possível deduzir
conceitos teológicos que vão de encontro à revelação especial.
1.2. É
sistemática: deve se basear em toda a Bíblia.
1.3. É
relacionada com tudo que está a nossa volta.
1.4. É
atual: deve fazer conexão com a cultura e o conhecimento do seu tempo, não
podendo estar desligada dos grandes questionamentos presentes.
1.5. É
prática: não se limita somente a um conjunto de ideias que demandarão apenas
reflexões intermináveis sobre a pessoa de Deus. Tão importante quanto o pensar
e estudar sobre Deus é o de agir conforme sua revelação. Falaremos mais sobre
isso em tópicos posteriores.
2. Qual a importância do seu estudo?
“É
realmente necessário estudar teologia?” Essa pergunta geralmente é feita por
aqueles que não entenderam o que, de fato, é teologia. Todos aqueles que
professam uma fé são, em última análise, teólogos, pois todos racionalizam
sobre quem Deus é, ainda que incorretamente ou inconscientemente. O que leva as
pessoas a indagarem sobre a necessidade da teologia é o academicismo extremado
que permeia os lábios de muitos ministros e estudiosos que, de tanto buscarem
conhecer a respeito de Deus, esqueceram de conhecê-lo e, em suas vaidades,
falam um idioma que se distancia muito da realidade na qual a maioria dos
crentes estão inseridos.
Ferreira
e Myatt (2007) vão afirmar que teologia sempre foi crucial na vida da igreja e
que os autores do Novo Testamento foram os primeiros teólogos. Ela foi o
instrumento usado por Deus em momentos decisivos da igreja, tais como a Reforma
Protestante, onde o rompimento entre dois tipos de teologia foi decisivo na
separação do protestantismo do catolicismo, e completa: “viver a vida cristã
sem as doutrinas cristãs é como jogar futebol sem a bola: é simplesmente
impossível”.
Tendo
em vista que a base de toda teologia é a Bíblia e ela consiste em um
“comunicado infalível e absolutamente verdadeiro, feito em linguagem humana,
que se originou de um Deus infinito, pessoal e moralmente perfeito”,
concluímos que a reflexão acerca dessa verdade é imprescindível para o povo de
Deus e o desprezo por isso pode abrir portas para muitas mentiras dentro da
igreja de Cristo.
Mais
alguns fatores que tornam o estudo teológico importante:
a) O
próprio Cristo deixou claro que a salvação depende do correto entendimento
sobre quem Ele é (João 8.24; Gálatas 1.9).
b) Ajuda
pastores e pregadores na elaboração de sermões que edifiquem a igreja, como uma
das ferramentas na tarefa de anunciar “todo desígnio de Deus”.
c) Aquilo
que cremos afeta nosso modo de agir e reagir em nossa realidade.
É lamentável ver denominações inteiras não se preocuparem
com a formação de seus membros e, em especial, dos seus obreiros. Certamente
esse é um dos pilares da crise que assola a igreja hoje, onde muitos tem visto
o estudo sério das escrituras como uma perda de tempo. É sobre isso que
falaremos no próximo tópico.
3. Teologia “esfria” o crente?
Quando
nos referimos a esfriamento, no senso comum evangélico, todos associam ao
“comodismo espiritual”, ou seja, é o momento na vida do crente em que a verdade
do evangelho já não mais “arde” em seu coração e aquela poderosa mensagem que o
salvou já não passa de um passado memorável. Não há mais desejo pelo Eterno.
Oração e meditação nas Escrituras são hábitos esquecidos.
Por
vezes, com certa dose de merecimento, os teólogos são acusados de serem frios
na fé. Essa dose de merecimento vem daqueles que, de fato, tornaram a teologia
um ídolo, um fim em si mesma, esquecendo-se de que ela é um simples meio para
nos levar a um conhecimento mais íntimo com o Criador ou, nas palavras de
Ferreira e Myatt (2007): “a teologia DEVE oferecer respostas que levem as
pessoas a um relacionamento mais profundo com Deus.”
A
razão disso, creio, é uma disposição que há em nosso coração enganoso (Jeremias
17.9) de distorcer e tornar impuro tantas coisas boas que o Senhor nos deixou.
A teologia é um método de pensar sobre Deus e isso pode ser feito em
conformidade com a própria vontade Dele para nós, ou podemos coloca-la como
ídolo em nosso coração. Caso optemos por esse último caminho, nos
envaideceremos em nossa “ciência” e passaremos a seguir um alvo diferente, onde
nos tornaremos deuses de nós mesmos e nossa teologia será o picadeiro onde
atuaremos disfarçados de divindade.
Contudo,
o comportamento de alguns teólogos não deve ser projetado sobre todos aqueles
que levam a sério o estudo de Deus. A Bíblia como um livro rico e dinâmico leva
todo estudioso a duas conclusões óbvias: i) nossa extrema limitação diante de
um Deus tão infinito e sábio; ii) a necessidade de nossa eterna gratidão a esse
Deus que escolheu revelar-se a essa criação caída e dar uma nova chance de
relacionamento com ele. Entendendo corretamente a mensagem bíblica e sendo
impactado por essas verdade,s não há espaço para que a teologia possa “esfriar”
ninguém, pelo contrário, levará o crente a um relacionamento mais vivo e
sincero com o Senhor.
4. Como estudar Teologia?
Em
seu clássico livro de Teologia Sistemática, Erickson (2015) faz uso do modelo
de três camadas de Bernard Mayo,
especialista em ética, que criou esse modelo para descrever diversos aspectos
da ética e da moralidade. Segundo ele, tais atividades, em qualquer área, se
dividem sempre em três camadas: 1) aqueles que estão engajados na prática; 2)
os críticos, são os que avaliam os que estão na primeira camada; e 3) os
filósofos, que são os que debatem os critérios avaliados pelos críticos da
segunda camada.
Em
relação a fé cristã, podemos utilizar abordagem semelhante, onde as camadas se
dividem da seguinte forma:
1ª
Camada: crentes praticantes, são aqueles cujas ações, em seu todo, se
direcionam pelas diretrizes dadas pela fé cristã. Erickson nos lembra que: “a
atividade da primeira camada não pode ser realizada efetivamente até que o
conhecimento adquirido seja incorporado a própria natureza da pessoa”. Ou seja,
cristãos “nominais” não se enquadram aqui e também em nenhuma outra camada.
2ª
Camada: são aqueles que fazem reflexões conscientes da doutrina. São os
Teólogos (no sentido restrito do termo), pastores, professores de Escolas
Bíblicas, etc. É uma tentativa de pensar mais profundamente sobre o significado
dessas doutrinas, bem como de correlaciona-las de maneira intencional. O
objetivo da segunda camada, aplicada a fé cristã, é o de avaliar se os da
primeira camada estão, de fato, agindo dentro da ortodoxia.
3ª
Camada: são os teóricos da Teologia. Pensam sobre o sentido e as possibilidades
da mesma, buscando refiná-las ou relacioná-las com novos desdobramentos. São
homens que ditam modelos e novas tendências metodológicas na teologia.
A
partir dessas divisões, Erickson faz a seguinte ressalva: os componentes das
duas camadas superiores devem, necessariamente, serem da 1ª camada. Do
contrário, corre-se o risco do enclausuramento na “torre de marfim”. Não há
problema em estar na 2ª ou 3ª camadas, são componentes importantes na esfera
cristã, contudo, o teólogo não pode perder-se em um academicismo distante da
realidade dos irmãos mais simples.
Ferreira
e Myatt (2007) vão nos colocar isso de forma bem clara: “Aquele que acha que
pode ser um teólogo teórico, protegido na academia, distante do povo, está
redondamente enganado. Quem não faz teologia tendo em mente as necessidades do
povo nos bancos da igreja não é um teólogo cristão de verdade. O fato de que
quase todos os teólogos de mais influência na história da igreja também eram
pastores.”
Portanto,
como devemos estudar teologia? Para resumir esse questionamento, responderemos:
com humildade o suficiente para reconhecer que o que sabemos sobre Deus é
insignificante frente a quem Ele, de fato, o é. Com gratidão por, ainda assim,
poder conhecer essa minúscula revelação Dele mesmo e com a lembrança de que
esse pouco conhecimento é um dever que nos é imposto para com nossos irmãos,
para servi-los com o que sabemos e ajudá-los em suas necessidades da fé.
5. Conclusão: um alerta aos estudantes.
Richard Baxter,
pastor inglês do Século XVII, notando um esfriamento espiritual muito danoso em
seus colegas de ministério, lamentou: “não é triste que nosso coração não seja
tão ortodoxo quanto nossa mente?”. Estudar a verdade não nos faz,
necessariamente, adotá-la como um estilo de vida. Na sincera luta em defesa da
verdade alguns esqueceram de manter o fervor. Lembremo-nos do conselho de
Spurgeon
aos seus alunos: “não somos passivos transmissores de infalibilidade. Somos
sinceros instruidores de coisas que aprendemos, na medida em que podemos
captá-las”. Ou nas palavras de Thielicke (2014): “qualquer pessoa que deixe de
ser espiritual estará automaticamente desenvolvendo uma teologia falsa, mesmo
que seu pensamento seja puro, ortodoxo e afinado com sua tradição confessional.
Nesse caso, a morte está à espreita’. A teologia pode ser uma fria camisa de
ferro que nos aprisiona e sufoca até a morte.”
Assim, que possamos abandonar todo nosso sentimento de
superioridade e transformá-lo em gratidão por receber a graça de conhecer um
pouco mais, e não somente isso, mas usar todo nosso vigor para ensinar essa
verdade aos irmãos menos instruídos. Que a verdade e o amor possam andar de
mãos dadas!
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Ferreira, Franklin; Myatt, Alan. TEOLOGIA
SISTEMÁTICA: uma análise histórica, bíblica e apologética para o contexto
atual. São Paulo: Vida Nova, 2007.
Erickson, J. Millard. TEOLOGIA SISTEMÁTICA. São
Paulo: Vida Nova, 2015.
Geisler, Norman. TEOLOGIS SISTEMÁTICA: volume 1.
Rio de Janeiro: CPAD, 2010.
Thielicke, Hemut. RECOMENDAÇÕES AOS JOVENS TEÓLOGOS
E PASTORES. São Paulo: Vida Nova, 2014.
Charles Spurgeon, LIÇÕES AOS MEUS ALUNOS – Volume
1. Publicações Evangélicas Selecionadas, 2014.