A Justificação pela Fé em Gálatas 2.15-21.
Observação: esse artigo foi escrito como trabalho de conclusão da
A
epístola aos Gálatas representa uma incisiva defesa do evangelho. Paulo, usando
sua perspicácia teológica, faz uma defesa bem elaborada da verdadeira salvação
em Jesus Cristo. Mas, o que estava acontecendo para que essa defesa fosse
necessária?
No
primeiro século da era cristã existiam duas igrejas fortes e dinâmicas:
Jerusalém e Antioquia. A primeira, predominantemente judaica, possuía grande
prestígio, por ser a sede do próprio judaísmo e onde estavam a maioria dos apóstolos.
Antioquia era predominantemente gentílica e crescia bastante, basta observar
que Paulo e Barnabé eram missionários desta igreja. Ao ver o crescimento
acelerado do evangelho em Antioquia, alguns membros da igreja de Jerusalém foram visita-la
e começaram a constranger os gentios a seguir rituais do judaísmo, como a
circuncisão. Paulo e os lideres, ao serem informados do fato, foram para
Jerusalém a fim de realizarem o primeiro concílio da igreja e discutir essa
matéria, o que é narrado em Atos 15.
O
concílio foi unânime: somente a fé em Jesus Cristo salva. Decidida a questão,
enviaram Paulo e Barnabé para inúmeras igrejas com o propósito de tratar desse
assunto e comunicar a decisão do concílio. Contudo, enquanto Paulo e Barnabé
seguiram um caminho, os judaizantes seguiam outro e começaram também a visitar algumas
igrejas, a fim de “judaizá-las” e atacar a figura do apóstolo Paulo. Uma dessas
igrejas foi a da Galácia. Paulo, então, ouvindo que o desvio doutrinário
chegara aos gálatas, redige essa epístola e, com um tom ácido, exorta os irmãos
a voltarem para o verdadeiro evangelho.
Inúmeros
argumentos, apelos e explicações são desenvolvidas pelo apóstolo ao longo da
epístola. Nesse artigo, queremos abordar sobre um dos trechos, onde o apóstolo
trata especificamente sobre uma das doutrinas centrais do cristianismo, a
justificação pela fé. Vejamos:
Gálatas 2:15-21
(15) Nós, judeus por natureza e não pecadores
dentre os gentios,
(16) sabendo, contudo, que o homem não é
justificado por obras da lei, mas sim, pela fé em Cristo Jesus, temos também
crido em Cristo Jesus para sermos justificados pela fé em Cristo, e não por
obras da lei; pois por obras da lei nenhuma carne será justificada.
(17) Mas se, procurando ser justificados em
Cristo, fomos nós mesmos também achados pecadores, é porventura Cristo ministro
do pecado? De modo nenhum.
(18) Porque, se torno a edificar aquilo que
destruí, constituo-me a mim mesmo transgressor.
(19) Pois eu pela lei morri para a lei, a fim de
viver para Deus.
(20) Já estou crucificado com Cristo; e vivo, não
mais eu, mas Cristo vive em mim; e a vida que agora vivo na carne, vivo-a na fé
no filho de Deus, o qual me amou, e se entregou a si mesmo por mim.
(21) Não faço nula a graça de Deus; porque, se a
justiça vem mediante a lei, logo Cristo morreu em vão.
O contexto dessa passagem é a
narrativa de Paulo acerca de uma discussão com Pedro, onde este, de forma
dissimulada, se afastou da comunhão com os gentios por conta da chegada de um
grupo de judaizantes. Paulo, então, repreendeu-o publicamente, passando a
discursar sobre a justificação pela fé. Analisemos o conteúdo da mensagem:
- versos 15,16: Paulo estava
lembrando que eles, judeus convertidos a Cristo, já tinham conhecimento de que
as obras da lei não justificavam nenhum homem diante de Deus. É como se Paulo
quisesse dizer: “Nós sempre nos achamos melhores que os gentios pecadores, pois
éramos o povo escolhido, mas agora a mensagem do evangelho nos impactou
profundamente, pois descobrimos que somos pecadores iguais a todos os outros, e
que a obediência a lei não salva ninguém”. Paulo estava preparando o terreno
para dizer: se nós já sabemos de onde provém nossa salvação, porque iríamos impor o jugo desnecessário da lei sobre os gentios?
- verso 17: Esse verso é complexo e
possui muitas interpretações. Hendrinksen[1]
diz que Paulo estava fazendo uma pergunta retórica, ou seja: “se” os Judaizantes
estivessem corretos na necessidade de observância da lei, Cristo faria com que
os homens pecassem, pois foi o próprio que, em vários momentos, ensinou a
justificação somente pela fé. Cristo disse que não é o que entra pela boca que
contamina o homem, mas o que sai (Mt 15.1-20), que todos os alimentos são
limpos (Mc 7.19) e que os homens são salvos somente por confiar nele (Mt
11.25). Seria um absurdo afirmar tal coisa.
- verso 18: ‘aquilo que destruí’ é a
salvação baseada nas obras da Lei. Assim, se voltarmos a vida pregressa e
acharmos que nossos méritos podem configurar posição de justiça diante de Deus,
então, na verdade, estou me tornando, novamente, um transgressor.
- verso 19: para entender bem esse
verso, é mister lembrarmos que Paulo foi um judeu exemplar, no sentido de que
sua observância da lei era destaque entre os seus semelhantes em tempos de
farisaísmo. Em Filipenses 3.6 ele diz que sua conduta, quanto à justiça que há
na lei, era irrepreensível. Contudo, Paulo considerou tudo isso como nada, pois
ao ter encontro com a graça de Cristo entendeu que era o principal dos
pecadores e que somente por meio de Jesus era possível alcançar paz com Deus. Ou
seja, somente “morrendo para a lei” era possível “viver para Deus”.
- verso 20: essa passagem tem sido
muito querida pelos cristãos de todas as épocas, pois resume toda a mensagem do
evangelho num aparente paradoxo: a verdadeira vida está em participar da
crucificação de Cristo. Não no sentido literal, mas por meio da fé Nele, onde o
mesmo torna-se senhor de tudo. Paulo está chegando a reta
final desse impactante discurso sobre a justificação somente pela fé com uma
mensagem do tipo: “sou tão indigno e sem méritos que, para poder viver, preciso
estar morto em Cristo, pois Ele precisa viver em mim”. Cristo “viver” no
cristão significa que, quando Deus olha para esse cristão, não o vê morto em
delitos e pecados, mas vê Cristo santo e justo. Isso é justificação!
- verso 21: o que significa “fazer
nula a graça de Deus”? Aplicando ao contexto da passagem e lembrando que Paulo
estava dirigindo esse discurso aos que estavam presentes no conflito com Pedro,
podemos concluir que significa algo assim: “se eu acreditasse que meus méritos
poderiam conquistar boa situação diante de Deus eu faria nula a graça de Deus,
e isso eu não faço!” Acreditar que somos merecedores de algo por parte de Deus
tornaria a graça irrelevante e, por conseguinte, a morte de Jesus na cruz um
ato totalmente desnecessário.
Portanto, a passagem analisada aqui
finda o capítulo 2 expondo aos gálatas uma situação tensa, porém necessária,
entre os dois apóstolos. Paulo não usa a situação no intuito de humilhar ou de
sobressair a Pedro. O que estava em jogo era algo muito mais valioso que
reputações, era a própria pureza do evangelho.
[1] HENDRIKSEN,
Willian. Comentário do NT – Gálatas.
São Paulo: Cultura Cristã. 2009.
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