fevereiro 2018

terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

Nunca exija consideração: ou você tem, ou não.



Consideração é a ação de considerar. Todos exigimos e gostamos de receber a consideração alheia. Vários conflitos surgem em ambientes de trabalho, igreja e até na família por reclamações do tipo “você não tem consideração por mim!” e, com isso, mágoas e revanchismos são alimentados. Mas o que é considerar?

No dicionário encontramos alguns significados. Vejamos:

1-                     Olhar(-se), fitar(-se) com atenção e minúcia: considerar é observar QUEM É aquela pessoa e qual papel ela desempenha na sua vida, seja pequeno ou grande. Humilhar alguém é considerá-la inferior ao que realmente ela é para você, e exaltar é atribuir um papel superior ao que de fato ela possui. Ambas as posturas são negativas.

2-                     Respeitar: é a consequência lógica do primeiro passo. Quando olho com atenção e pondero sobre quem aquela pessoa é na minha caminhada, vou tê-la em alta ou baixa consideração. Por favor, entenda: baixa consideração não é algo ruim, não é desrespeitar, mas entender que aquela pessoa tem pouca participação na sua caminhada. Pode ser um vizinho com quem você pouco conversa, ou um familiar que sempre morou longe e você nunca conheceu. Enfim, considerar pouco não é respeitar pouco, mas entender os papéis que cada um desempenham na sua história.

Dito isto, precisamos ter algo muito fixo na mente: consideração não pode ser exigida, ou você a tem da maneira correta, ou não! Por quê? Simples: a consideração correta (ou errada) que a pessoa vai ter de você é fruto de uma reflexão que ela própria já fez, e você não pode interferir nesse processo. Por vezes julgamos exercer um papel significativo na vida de alguém, mas esse alguém não enxerga da mesma forma. Isso é o centro da maioria dos conflitos.

Nossas expectativas quanto ao que consideramos ser nosso papel na vida alheia são frustradas quando o outro, após refletir sobre nós, decide nos dar pouca consideração. Isso machuca. Somos feridos por essa decisão do outro. Achamos que merecemos mais e, geralmente, ligamos um sistema de defesa infantil do tipo “é, eu nem ligo mesmo!”, mas só que ligamos sim, e muito, afinal, temos aquela pessoa em alta consideração.

Porém, nunca exija isso. Se você acha que merece, mas não tem a alta consideração do outro. Não exija. É difícil, eu sei. Muito difícil mesmo, mas a verdadeira consideração nunca nasce de exigência, mas de reflexões espontâneas do próximo e quando isso não acontece, vamos entender que nosso papel ainda não é significativo para o outro e, ainda que isso doa, nos amadurece em muita coisa.

Em Cristo,
Thiago Holanda.
27/02/2018.

sábado, 24 de fevereiro de 2018

Quando uma geração não conhece o Senhor (Juízes 2.10-12)




Depois que toda aquela geração foi reunida a seus antepassados, surgiu uma nova geração que não conhecia o Senhor e o que ele havia feito por Israel. Então os israelitas fizeram o que o Senhor reprova e prestaram culto aos baalins. Abandonaram o Senhor, o Deus dos seus antepassados, que os havia tirado do Egito, e seguiram e adoraram vários deuses dos povos ao seu redor, provocando a ira do Senhor. (Jdg 2:10-12)

Quando o povo de Israel entrou na terra prometida, receberem uma ordem clara e direta de que deveriam expulsar todos os seus moradores, sem exceção. A tribo que foi comissionada para começar essa empreitada foi Judá. No início, as ordens foram obedecidas e os cananeus sofreram grande derrotas. O capítulo 1 de Juízes mostra o início feliz de uma história que tem um final bem triste.

O problema começou quando os Israelitas perceberam que, em vez de expulsar os cananeus, era mais lucrativo tributá-los. “Pra que o desgaste da guerra?”, pensaram eles. Cobrar pesados impostos era “conveniente”, pois além de poupar os esforços de batalha, trazia o benefício do ganho financeiro. Foi o que fizeram. Sobre esse episódio, Flávio Josefo[1] acrescenta:

Os israelitas deixaram então de fazer guerra, desejando apenas desfrutar em paz e com prazer os muitos bens de que se viam cumulados. Sua abundante riqueza lançou-os no luxo e na volúpia. Não se incomodavam mais em observar a antiga disciplina e tornaram-se surdos à voz de Deus e às suas santas leis. Assim, atraíram-lhe a cólera, e Ele lhes fez saber que era contra a sua ordem que eles poupavam os cananeus e que tempo viria em que, no lugar da bondade dispensada aos cananeus, experimentariam a crueldade deles.

Foram muitos os problemas futuros que essa má decisão causou. Primeiro, os cananeus tornaram-se motivo de laço para Israel, no sentido de contaminar o coração do povo A proximidade geográfica da nação eleita com esses povos gerou uma venenosa comunhão de culturas e costumes que os levou a idolatria. O quadro piora muito a partir do capítulo 2, onde narra a morte de Josué e toda a geração que ele tinha liderado. Começa então o declínio total da nação, pois “surgiu uma nova geração que não conhecia o Senhor e o que ele havia feito por Israel”.

Note que é uma dupla ignorância. Primeiro, não conheciam a Deus: sua pessoa, caráter, atributos, santidade, etc. Ou seja, não tinham relacionamento com o Senhor. Segundo, não conheciam o que ele havia feito. Há pessoas que sabem o que Deus fez, ainda que não se relacionem com Ele. Reconhecem seus feitos, ainda que os corações estejam distantes. Aqui vemos que nem mesmo esse aspecto estava presente. Era uma ignorância tanto da pessoa de Deus, quanto de todos os livramentos e operações milagrosas do passado.

Isso trouxe horríveis consequência para o povo. Vejamos:

1.    “os israelitas fizeram o que o Senhor reprova e prestaram culto aos baalins”: afastar-se de Deus leva, necessariamente, à idolatria. É impossível um homem deixar os caminhos de Deus e permanecer “neutro” espiritualmente. O homem é essencialmente religioso e quando Deus não está no trono do seu coração, um ídolo já fez morada.

2.    “adoraram vários deuses dos povos ao redor, provocando a ira do Senhor”: Como Deus previa, os ídolos dos cananeus roubaram o coração do povo, por descuido deles próprios. Então, a ira do Senhor se ascendeu contra o seu próprio povo e a profecia de Juízes 2.3 se cumpriu: os deuses estranhos tornaram-se uma armadilha mortal.

Quando uma nova geração tem o coração distante de Deus, temos que encontrar as raízes do problema na geração anterior. Note que a falha da antiga geração não se resumiu a não se afastar do mal por meio da desobediência da ordem de Deus, mas também de não se aproximar suficientemente de Deus para conhecê-lo mais e fazê-lo conhecido entre seus filhos. A nova geração não conhecia a Deus porque não fora discipulada corretamente. Os pais não contaram aos seus filhos quem era o Senhor e o que ele fizera.

A culpa da antiga geração foi dupla: não afastar a má influência (outros povos) e não ensinar a próxima geração. Essa falha do povo de Israel inaugurou uma triste história de altos e baixos do povo, onde ora o povo servia fielmente a Deus, ora se afastava em direção aos ídolos. É o triste padrão do Antigo Testamento.

Essa falha pode nos ensinar muito como igreja hoje. Como estamos educando as novas gerações? Qual importância estamos dando ao discipulado dos mais jovens na igreja local? Nossa luta pelo evangelho hoje vai determinar não somente o presente da igreja, mas o futuro também. Paulo conhecia a história de Israel e provavelmente tinha essa preocupação em mente quando deu os seguintes conselhos:

Assim, poderão orientar as mulheres mais jovens a amarem seus maridos e seus filhos, a serem prudentes e puras, a estarem ocupadas em casa, e a serem bondosas e sujeitas a seus próprios maridos, a fim de que a palavra de Deus não seja difamada. (Tito 2:4,5)

E as coisas que me ouviu dizer na presença de muitas testemunhas, confie a homens fiéis que sejam também capazes de ensinar a outros. (2 Timóteo 2:2)

Paulo se preocupava com a importância de passar o bastão do evangelho para a próxima geração. Mais velhos ensinando os mais novos é parte da dinâmica da igreja e não podemos negligenciar isso sob o risco de colocar todo o atual trabalho pelo reino em risco. Para encerrar esse texto, deixo o conselho do profeta Oseias:

Conheçamos o Senhor; esforcemo-nos por conhecê-lo...” (Oséias 6:3)

Em Cristo,
Thiago Holanda.
24/02/2018.






[1] Historiador judeu, na coletânea “História dos Hebreus”, livro quinto, capítulo 2.

terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

A lealdade de Itai (2 Samuel 15.19-22)



Uma vez ouvi um provérbio popular bem interessante que dizia: “Quer conhecer um homem? Dê-lhe poder. Quer conhecer os verdadeiros amigos de um homem? Tire-o do poder!”. A infelicidade trás consigo o mérito de revelar quem são os nossos verdadeiros amigos, e os homens mais sábios do mundo já deram prova disso (Provérbios 17.17).

Um homem cuja história muito nos ensina a esse respeito é Itai, um personagem bíblico que aparece muito rapidamente na história de Israel, mas que demonstra um caráter forte e real integridade. Ele era Geteu[1] e havia apoiado a ascenção de Davi ao trono de Israel, seu nome significa “comigo”[2], e não temos muitas informações além dessas. Vamos ao contexto do seu aparecimento.

Absalão fora perdoado por Davi da morte de Amnom e volta para Jerusalém. Depois de 2 anos, é autorizado a encontrar-se com seu pai e então começa uma campanha silenciosa e mortal para usurpar o trono. Quando consegue concretizar o levante, Absalão surpreende Davi e o faz fugir vergonhosamente de Jerusalém. É nesse contexto que a Bíblia narra a seguinte cena:

O rei disse então a Itai, de Gate: "Por que você está indo conosco? Volte e fique com o novo rei, pois você é estrangeiro, um exilado de sua terra. Faz pouco tempo que você chegou. Como eu poderia fazê-lo acompanhar-me? Volte e leve consigo os seus irmãos. Que o Senhor o trate com bondade e fidelidade! " Itai, contudo, respondeu ao rei: "Juro pelo nome do Senhor e por tua vida que onde quer que o rei, meu senhor, esteja, ali estará o seu servo, para viver ou para morrer! " Então Davi disse a Itai: "Está bem, pode ir adiante". E Itai, o giteu, marchou, com todos os seus soldados e com as famílias que estavam com ele. (2 Samuel 15:19-22, NVI)

Note que Davi não exigiu que Itai fizesse a difícil escolha de seguí-lo. Sim, era uma escolha difícil, pois esse episódio marca o início de uma guerra sangrenta entre Davi e Absalão. Tomar partido por Davi era uma escolha que tornaria qualquer um imediamente inimigo de Absalão. Davi o dispensou disso e ainda lembrou: “você é estrangeiro aqui, não tem obrigação legal de ser fiel ao meu reinado!”. Contudo, a resposta de Itai é impressionante: “Seguirei-te para viver ou para morrer!”. Que amizade! Que fidelidade! Imagino o alento que veio ao coração de Davi naquele momento de tanta angústia. “Ainda tenho amigos!”, talvez seja isso o que ele tenha pensado.

A fidelidade de Itai foi recompensada no futuro. Quando venceu a guerra contra Absalão e recuperou o trono, Davi o nomeou comandante de um terço de seu exército (2 Samuel 18.2,5,12). Não sabemos muito sobre o que aconteceu com ele depois desses acontecimentos.

O que podemos aprender com Itai? Além do precioso exemplo de amizade e fidelidade, vemos uma ligação simbólica entre a relação dele com o Rei Davi e a nossa com Cristo, o Rei dos reis. Itai era um exilado que viu o rei que o “adotou” ser desprezado e escurraçado do seu próprio reino por homens ímpios. Contudo, Itai confiava em seu rei e mesmo sabendo que o futuro poderia ser doloroso pelos próximos meses de guerra, o seu rei retornaria ao trono vitorioso. Itai somos cada um de nós. Nosso rei foi desprezado pelo mundo e sua mensagem foi ridicularizada. Homens impiedosos o massacraram e tentaram frustrar seus planos, contudo, ele venceu! Sim, Jesus venceu! A vitória já foi alcançada. Porém, ainda vivemos temporariamente como exilados enquanto nosso Rei não encerra todas as coisas. Ainda enfrentamos sofrimentos nessa terra e nossa vida carregará fardos dolorosos. Enfim, aguardamos confiadamente que o Rei voltará pra nos levar de volta pra casa e então todos o verão assentado em seu trono manjestoso.

A lição de Itai nos ensina sobre amizade e fidelidade ao próximo em momentos de angústia, mas também nos mostra que devemos permanecer fiéis ao Rei dos reis, custe o que custar, pois Ele já venceu a guerra!


Em Cristo,
Thiago Holanda.
19/02/2018.





[1] Geteus eram soldados mercenários de Gate. Ou seja, filisteus. Haviam apoiado e se juntado a Davi.
[2] De acordo com o “Brown-Driver-Briggs'  Hebrew Definitions”

terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

A verdadeira admiração é míope


Todos nós, em alguma medida, admiramos e somos admirados. Minha vocação é o ensino e amo o que faço. Deus, pela sua graça, tem aberto portas para que eu possa usar o meu dom em diversos lugares além da minha igreja local, e tem sido bondoso comigo no momento do ensino em algumas escolas missionárias onde sou professor voluntário.

É maravilhoso ver o Espírito Santo me ajudando a clarificar alguns assuntos para jovens iniciantes na fé. Por conta disso, alguns alunos têm me procurado ao final dessas aulas para agradecer pelo momento de aprendizado, alguns me adicionam no Facebook, outros me convidam para ministrar em suas igrejas e, inclusive, tem aqueles que se tornam bons amigos. Por favor, não pense que estou me gabando de nada, não é isso. Preciso chegar a ideia central desse texto e quero me usar como exemplo. Então, não veja vanglória em minhas palavras...

Enfim, é interessante perceber como todos nós gostamos de admirar figuras distantes da nossa realidade. Pessoas que não convivem conosco, logo não nos maltratam com suas fraquezas e não nos ferem com suas palavras (pela simples falta de oportunidade), mas tornam-se alvo de nossa sincera admiração sem ponderarmos se, de fato, são merecedoras disso. Talvez seja por isso que os gurus façam tanto sucesso mundo afora.

“O que é um guru?”, você pergunta.

Guru é um especialista em alguma coisa (marketing, gestão, finanças, crescimento de igrejas, etc), que vem de longe e tem todas as soluções que precisamos na palma da mão. Ah, é importante que ele venha de longe, pois se fosse um próximo perceberiamos que não é guru de nada. Os gurus sempre sabe “de tudo”, ainda que não possam atestar isso, afinal, nunca sabemos nada sobre eles.

O fato é que a verdadeira admiração é míope. Só é válida se nos ver bem de perto e contemplar toda nossa fraqueza e insignificância. Somos verdadeiramente admirados por aqueles que já presenciaram vários dos nossos tombos e, ainda assim, conseguem enxergar a graça do Altíssimo operando em nós e através de nós.

Se tem alguém do seu lado que depois de ver muitos dos seus fracassos, ainda consegue olhar pra você e admirar quem você é, acredite: essa admiração é realmente importante. De nada valeria a admiração dos meus breves alunos de escolas missionárias se eu não tivesse a admiração dos jovens da minha igreja, que já presenciaram momentos ruins do meu ministério, e de nada valeria a admiração dos meus jovens se eu não tivesse a da minha esposa, que já conheceu as piores versões de mim mesmo.

Oro pra que Deus me ensine a valorizar os que estão próximos a mim, vendo Cristo em seus tombos e levantes, assim como outros possam continuar vendo o mesmo em mim.


Em Cristo,
Thiago Holanda
13/02/2018.


OBSERVAÇÃO: Miopia é uma condição do olho caracterizada por má visão à distância, fazendo com que os objetos distantes sejam vistos desfocados, enquanto que os objetos próximos parecem normais.