setembro 2017

terça-feira, 12 de setembro de 2017

O que é Teologia e qual sua importância para a igreja?




1.      O que é teologia?

Ao longo da história da igreja, a teologia, bem como os teólogos, tem sido vista ora como heroína, ora como vilã. Sim, a teologia é um travesseiro onde um lado foi bem lavado e o outro está com cheiro de mofo, podendo deixar bem doente aquele que nela repousar. Mas o que é realmente a teologia? Uma ciência? Arte? Profissão? Vocação? Curso superior? É benéfica ou maléfica para a igreja? Para responder satisfatoriamente tantas perguntas deve-se, em primeiro lugar, traçar uma correta definição do que venha a ser teologia.

Geisler (2010) definirá teologia como “o discurso racional a respeito de Deus” e acrescentará que a teologia dita evangélica é o “discurso a respeito de Deus que enfatiza a existência de certas crenças cristãs essenciais, que incluem a, mas não se limitam à, infalibilidade e inerrância da Bíblia somente, a tri-unidade de Deus, o nascimento virginal de Cristo, a divindade de Cristo, a total suficiência do sacrifício expiatório de Cristo pelos pecados, a ressurreição física e miraculosa de Cristo, a necessidade da salvação somente pela fé – somente através da graça de Deus, baseada somente na obra de Cristo -, o retorno corporal físico de Cristo a este mundo, a felicidade eterna e consciente dos salvos, e o castigo eterno e consciente dos não-salvos.”

Já Ferreira e Myatt (2007) vão conceituar como “a ciência que extrai o conhecimento de Deus e de sua revelação, que estuda e pensa sobre ela sob a orientação do Espírito Santo e então, tenta desenvolvê-la de forma a honrar a Deus.” O autor também diferencia os conceitos de teologia e religião, afirmando que esta última é uma pesquisa sobre todas as religiões e seitas mundiais que usa de várias ferramentas metodológicas, tais como sociologia, antropologia, entre outras. Já a teologia é mais especializada, por tratar das doutrinas e temas de uma religião específica.

Erickson (2015) vai iniciar sua definição lembrando que o ser humano é “incorrigivelmente” religioso e, portanto, sempre estabelecerá contatos entre ele e o divino e, nesse contexto, a teologia é “o estudo ou a ciência de Deus”, ou: “é a disciplina que procura afirmar, de modo coerente, as doutrinas da fé cristã, fundamentada principalmente nas Escrituras, situada no contexto da cultura em geral, verbalizada numa linguagem atual e relacionada com questões da vida”. O autor também considera importante diferenciar teologia e religião, afirmando que a primeira está para a última assim como a psicologia está para as relações humanas.

O que há de comum nas três definições? Primeiro, todos os autores buscam dar um conceito amplo de teologia como ciência que estuda o divino e, nesse contexto, toda religião tem sua teologia própria, mas também nos fornecem o conceito restrito, que é o conceito de teologia evangélica. Portanto, devemos ter em mente que teologia não é restrita ao cristianismo e sua vasta amplitude nos motiva a caracterizar sobre qual tipo de teologia estamos considerando. Vale ressaltar que dentro do próprio cristianismo encontramos diversas “sub-teologias” que carregam inúmeras diferenças conceituais.

A teologia cristã tem 5 divisões principais, são elas:

a)      Teologia Bíblica: trata da base bíblica da teologia.
b)     Teologia Histórica: é o debate teológico sobre diversos temas ao longo da história.
c)      Teologia Sistemática: é a construção de um sistema de ideias básicas dentro da teologia que englobe o conjunto completo da revelação de Deus.
d)     Apologética: proteção da doutrina cristã contra os ataques externos.
e)      Polêmica: proteção da doutrina cristã contra os ataques internos.

Todas essas divisões são importantes e precisam ser desenvolvidas no âmbito das igrejas e seminários. Cada uma possui metodologia própria, porém, a base para todas elas é a Bíblia sagrada como revelação especial de Deus.

Erickson (2015) nos fornece 5 aspectos básicos da teologia cristã:

1.1. É bíblica: ou seja, toda sua base é a Palavra de Deus e não é possível deduzir conceitos teológicos que vão de encontro à revelação especial.
1.2. É sistemática: deve se basear em toda a Bíblia.
1.3. É relacionada com tudo que está a nossa volta.
1.4. É atual: deve fazer conexão com a cultura e o conhecimento do seu tempo, não podendo estar desligada dos grandes questionamentos presentes.
1.5. É prática: não se limita somente a um conjunto de ideias que demandarão apenas reflexões intermináveis sobre a pessoa de Deus. Tão importante quanto o pensar e estudar sobre Deus é o de agir conforme sua revelação. Falaremos mais sobre isso em tópicos posteriores.

2.      Qual a importância do seu estudo?

“É realmente necessário estudar teologia?” Essa pergunta geralmente é feita por aqueles que não entenderam o que, de fato, é teologia. Todos aqueles que professam uma fé são, em última análise, teólogos, pois todos racionalizam sobre quem Deus é, ainda que incorretamente ou inconscientemente. O que leva as pessoas a indagarem sobre a necessidade da teologia é o academicismo extremado que permeia os lábios de muitos ministros e estudiosos que, de tanto buscarem conhecer a respeito de Deus, esqueceram de conhecê-lo e, em suas vaidades, falam um idioma que se distancia muito da realidade na qual a maioria dos crentes estão inseridos.

Ferreira e Myatt (2007) vão afirmar que teologia sempre foi crucial na vida da igreja e que os autores do Novo Testamento foram os primeiros teólogos. Ela foi o instrumento usado por Deus em momentos decisivos da igreja, tais como a Reforma Protestante, onde o rompimento entre dois tipos de teologia foi decisivo na separação do protestantismo do catolicismo, e completa: “viver a vida cristã sem as doutrinas cristãs é como jogar futebol sem a bola: é simplesmente impossível”.

Tendo em vista que a base de toda teologia é a Bíblia e ela consiste em um “comunicado infalível e absolutamente verdadeiro, feito em linguagem humana, que se originou de um Deus infinito, pessoal e moralmente perfeito”[1], concluímos que a reflexão acerca dessa verdade é imprescindível para o povo de Deus e o desprezo por isso pode abrir portas para muitas mentiras dentro da igreja de Cristo.

Mais alguns fatores que tornam o estudo teológico importante:

a)      O próprio Cristo deixou claro que a salvação depende do correto entendimento sobre quem Ele é (João 8.24; Gálatas 1.9).
b)     Ajuda pastores e pregadores na elaboração de sermões que edifiquem a igreja, como uma das ferramentas na tarefa de anunciar “todo desígnio de Deus”.
c)      Aquilo que cremos afeta nosso modo de agir e reagir em nossa realidade.

É lamentável ver denominações inteiras não se preocuparem com a formação de seus membros e, em especial, dos seus obreiros. Certamente esse é um dos pilares da crise que assola a igreja hoje, onde muitos tem visto o estudo sério das escrituras como uma perda de tempo. É sobre isso que falaremos no próximo tópico.

3.      Teologia “esfria” o crente?

Quando nos referimos a esfriamento, no senso comum evangélico, todos associam ao “comodismo espiritual”, ou seja, é o momento na vida do crente em que a verdade do evangelho já não mais “arde” em seu coração e aquela poderosa mensagem que o salvou já não passa de um passado memorável. Não há mais desejo pelo Eterno. Oração e meditação nas Escrituras são hábitos esquecidos.

Por vezes, com certa dose de merecimento, os teólogos são acusados de serem frios na fé. Essa dose de merecimento vem daqueles que, de fato, tornaram a teologia um ídolo, um fim em si mesma, esquecendo-se de que ela é um simples meio para nos levar a um conhecimento mais íntimo com o Criador ou, nas palavras de Ferreira e Myatt (2007): “a teologia DEVE oferecer respostas que levem as pessoas a um relacionamento mais profundo com Deus.”

A razão disso, creio, é uma disposição que há em nosso coração enganoso (Jeremias 17.9) de distorcer e tornar impuro tantas coisas boas que o Senhor nos deixou. A teologia é um método de pensar sobre Deus e isso pode ser feito em conformidade com a própria vontade Dele para nós, ou podemos coloca-la como ídolo em nosso coração. Caso optemos por esse último caminho, nos envaideceremos em nossa “ciência” e passaremos a seguir um alvo diferente, onde nos tornaremos deuses de nós mesmos e nossa teologia será o picadeiro onde atuaremos disfarçados de divindade.

Contudo, o comportamento de alguns teólogos não deve ser projetado sobre todos aqueles que levam a sério o estudo de Deus. A Bíblia como um livro rico e dinâmico leva todo estudioso a duas conclusões óbvias: i) nossa extrema limitação diante de um Deus tão infinito e sábio; ii) a necessidade de nossa eterna gratidão a esse Deus que escolheu revelar-se a essa criação caída e dar uma nova chance de relacionamento com ele. Entendendo corretamente a mensagem bíblica e sendo impactado por essas verdade,s não há espaço para que a teologia possa “esfriar” ninguém, pelo contrário, levará o crente a um relacionamento mais vivo e sincero com o Senhor.

4.      Como estudar Teologia?

Em seu clássico livro de Teologia Sistemática, Erickson (2015) faz uso do modelo de três camadas de Bernard Mayo[2], especialista em ética, que criou esse modelo para descrever diversos aspectos da ética e da moralidade. Segundo ele, tais atividades, em qualquer área, se dividem sempre em três camadas: 1) aqueles que estão engajados na prática; 2) os críticos, são os que avaliam os que estão na primeira camada; e 3) os filósofos, que são os que debatem os critérios avaliados pelos críticos da segunda camada.

Em relação a fé cristã, podemos utilizar abordagem semelhante, onde as camadas se dividem da seguinte forma:

1ª Camada: crentes praticantes, são aqueles cujas ações, em seu todo, se direcionam pelas diretrizes dadas pela fé cristã. Erickson nos lembra que: “a atividade da primeira camada não pode ser realizada efetivamente até que o conhecimento adquirido seja incorporado a própria natureza da pessoa”. Ou seja, cristãos “nominais” não se enquadram aqui e também em nenhuma outra camada.

2ª Camada: são aqueles que fazem reflexões conscientes da doutrina. São os Teólogos (no sentido restrito do termo), pastores, professores de Escolas Bíblicas, etc. É uma tentativa de pensar mais profundamente sobre o significado dessas doutrinas, bem como de correlaciona-las de maneira intencional. O objetivo da segunda camada, aplicada a fé cristã, é o de avaliar se os da primeira camada estão, de fato, agindo dentro da ortodoxia.

3ª Camada: são os teóricos da Teologia. Pensam sobre o sentido e as possibilidades da mesma, buscando refiná-las ou relacioná-las com novos desdobramentos. São homens que ditam modelos e novas tendências metodológicas na teologia.

A partir dessas divisões, Erickson faz a seguinte ressalva: os componentes das duas camadas superiores devem, necessariamente, serem da 1ª camada. Do contrário, corre-se o risco do enclausuramento na “torre de marfim”. Não há problema em estar na 2ª ou 3ª camadas, são componentes importantes na esfera cristã, contudo, o teólogo não pode perder-se em um academicismo distante da realidade dos irmãos mais simples.

Ferreira e Myatt (2007) vão nos colocar isso de forma bem clara: “Aquele que acha que pode ser um teólogo teórico, protegido na academia, distante do povo, está redondamente enganado. Quem não faz teologia tendo em mente as necessidades do povo nos bancos da igreja não é um teólogo cristão de verdade. O fato de que quase todos os teólogos de mais influência na história da igreja também eram pastores.”

Portanto, como devemos estudar teologia? Para resumir esse questionamento, responderemos: com humildade o suficiente para reconhecer que o que sabemos sobre Deus é insignificante frente a quem Ele, de fato, o é. Com gratidão por, ainda assim, poder conhecer essa minúscula revelação Dele mesmo e com a lembrança de que esse pouco conhecimento é um dever que nos é imposto para com nossos irmãos, para servi-los com o que sabemos e ajudá-los em suas necessidades da fé.

5.      Conclusão: um alerta aos estudantes.

Richard Baxter[3], pastor inglês do Século XVII, notando um esfriamento espiritual muito danoso em seus colegas de ministério, lamentou: “não é triste que nosso coração não seja tão ortodoxo quanto nossa mente?”. Estudar a verdade não nos faz, necessariamente, adotá-la como um estilo de vida. Na sincera luta em defesa da verdade alguns esqueceram de manter o fervor. Lembremo-nos do conselho de Spurgeon[4] aos seus alunos: “não somos passivos transmissores de infalibilidade. Somos sinceros instruidores de coisas que aprendemos, na medida em que podemos captá-las”. Ou nas palavras de Thielicke (2014): “qualquer pessoa que deixe de ser espiritual estará automaticamente desenvolvendo uma teologia falsa, mesmo que seu pensamento seja puro, ortodoxo e afinado com sua tradição confessional. Nesse caso, a morte está à espreita’. A teologia pode ser uma fria camisa de ferro que nos aprisiona e sufoca até a morte.”

Assim, que possamos abandonar todo nosso sentimento de superioridade e transformá-lo em gratidão por receber a graça de conhecer um pouco mais, e não somente isso, mas usar todo nosso vigor para ensinar essa verdade aos irmãos menos instruídos. Que a verdade e o amor possam andar de mãos dadas!


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Ferreira, Franklin; Myatt, Alan. TEOLOGIA SISTEMÁTICA: uma análise histórica, bíblica e apologética para o contexto atual. São Paulo: Vida Nova, 2007.
Erickson, J. Millard. TEOLOGIA SISTEMÁTICA. São Paulo: Vida Nova, 2015.
Geisler, Norman. TEOLOGIS SISTEMÁTICA: volume 1. Rio de Janeiro: CPAD, 2010.
Thielicke, Hemut. RECOMENDAÇÕES AOS JOVENS TEÓLOGOS E PASTORES. São Paulo: Vida Nova, 2014.



[1] Geisler, 2010.
[2] MAYO, Bernard. Ethics and the moral life. London: Macmillan, 1958.
[3] Richard Baxter, MANUAL PASTORAL DE DISCIPULADO. Editora Cultura Cristã, 2015.
[4] Charles Spurgeon, LIÇÕES AOS MEUS ALUNOS – Volume 1.  Publicações Evangélicas Selecionadas, 2014.