Quando a Teologia entra na cabeça, mas não no coração.

terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Quando a Teologia entra na cabeça, mas não no coração.



No último domingo o Brasil tomou um susto: “apóstolo” Valdemiro Santiago foi esfaqueado enquanto realizava um culto na sede de sua igreja, no Brás (São Paulo). Aparentemente não foi nada grave, visto que filmagens divulgadas mostram o mesmo indo embora andando, sem muita dificuldade, de sua igreja (acompanhado por um batalhão de seguranças). Mas não é sobre esse episódio que quero tratar, mas das reações ao fato.
Todo mundo sabe que Valdemiro (e seus semelhantes) não são muito bem quistos pela parte mais esclarecida da população (inclusive evangélica), e não foi surpresa nenhuma quando ouvi muitos amigos lamentarem o fato do agressor não conseguir sucesso em sua empreitada. Contudo, me causou surpresa ver cristãos dizerem o mesmo, especialmente uma página do Facebook. Vejam:

Reações como essas, vinda de cristãos, me causam grande estranheza. Essa página, em especial, é conhecida por outras declarações igualmente polêmicas e para nossa tristeza maior: existem muitos outros perfis iguais.
Confesso que refleti muito nisso tudo e fico preocupado com essa nova geração de jovens que se levanta em nossas igrejas ansiosos por defender a verdade. Expor posicionamentos tão cruéis e radicais de forma escancarada numa rede social repleta de neófitos e inimigos do evangelho é, no mínimo, um desserviço ao reino de Deus. Ah, mais um detalhe: não interessa o que o Valdemiro fez/faz, não estamos aqui falando do seu falso evangelho, muito menos de sua manipulação barata de gente ignorante para benefício próprio. Não se trata dele, mas de nós. Isso mesmo, estou falando do NOSSO coração.
Sou de berço assembleiano e sempre ouvi críticas aos que se dedicavam um pouco mais ao estudo bíblico. O alerta era sempre o mesmo: “cuidado, Teologia esfria o crente!”. Não precisa dizer o quanto acho essa ideia ridícula e que, na verdade, está mais para uma desculpa esfarrapada de crentes com preguiça de ler e que preferem confiar cegamente no que dizem seus pregadores dominicais. Porém, não vou mentir: existe um grupinho de estudiosos que faz jus a isso.
Richard Baxter, pastor inglês do Século XVII, notando um esfriamento espiritual muito danoso em seus colegas de ministério, lamentou: “não é triste que nosso coração não seja tão ortodoxo quanto nossa mente?”[1]. Isso nos revela o quão antigo é esse problema: estudar a verdade não nos faz, necessariamente, adotá-la como um estilo de vida. Jovens que tiveram a graça de conhecer um pouco mais de teologia , começaram a se afastar dessa mesma verdade tão ardorosamente defendida. Na sincera luta em defesa da verdade, esqueceram de manter o fervor. Lembremo-nos do conselho de Spurgeon aos seus alunos: “não somos passivos transmissores de infalibilidade. Somos sinceros instruidores de coisas que aprendemos, na medida em que podemos captá-las”[2].
Meu conselho aos jovens que estão calorosamente a procura de debates virtuais a fim de mostrarem todo seu recém-adquirido conhecimento teológico é: “antes de tudo, lembrem-se da sua nova identidade!” E para completar meu conselho, peço ajuda a Paul Tripp: “ou você obtém sua identidade verticalmente, de quem você é em Cristo, ou você procurará por ela horizontalmente, nas situações, experiências e relacionamentos da vida diária.”[3]
Que possamos abandonar todo nosso sentimento de superioridade e transformá-lo em gratidão por receber a graça de conhecer um pouco mais, e não somente isso, mas usar todo nosso vigor da juventude para ensinar essa verdade aos irmãos menos instruídos. Minha oração é: que a verdade e o amor possam andar de mãos dadas!
Um último aviso:
“Qualquer pessoa que deixe de ser espiritual estará automaticamente desenvolvendo uma teologia falsa, mesmo que seu pensamento seja puro, ortodoxo e afinado com sua tradição confessional. Nesse caso, “a morte está à espreita”. A teologia pode ser uma fria camisa de ferro que nos aprisiona e sufoca até a morte[4].” (Helmute Thielicke)

Em Cristo,
Thiago Holanda.




[1] Richar Baxter, MANUAL PASTORAL DE DISCIPULADO. Editora Cultura Cristã, 2015.
[2] Charles Spurgeon, LIÇÕES AOS MEUS ALUNOS – Volume 1.  Publicações Evangélicas Selecionadas, 2014.
[3] Paul Tripp. VOCAÇÃO PERIGOSA: os tremendos desafios do ministério pastoral. Editora Cultura Cristã, 2014.
[4] Hemut Thielicke. RECOMENDAÇÕES AOS JOVENS TEÓLOGOS E PASTORES. Editora Vida Nova, 2014.

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