julho 2017

sexta-feira, 21 de julho de 2017

Quem eram os Fariseus?







Muito se ouve sobre os Fariseus. Certamente é um grupo de destaque em todo o Novo Testamento, mas não carregam uma boa reputação. Vemos, quase sempre, um conflito intenso entre o Salvador e esse grupo tão religioso e legalista, mas pouco se sabe sobre detalhes relativos à origem, organização e atuação política do grupo. Esse texto tem como objetivo trazer algumas informações importantes para a melhor compreensão da história desse grupo, bem como trazer luz sobre como eles se relacionam com as verdades expressas no NT.
As fontes de informações são reduzidas. Somente três documentos trazem maiores informações: a Mishná[1], o Novo Testamento e obras de Flavio Josefo. Este último foi um historiador judeu que viveu no primeiro século e apresentava-se como fariseu. De acordo com Josefo, os fariseus já figuravam em Israel por volta de 145 a.C, já outros historiadores apontam como herdeiro dos “hasidins”(significa “leais a Deus”). Estes, por sua vez, foram sucessores da obra de Esdras e ao longo dos anos ofereceram forte resistência a paganização da religião judaica, especialmente quanto a sua helenização. (Tognini, 2009)
Brown e Coenen (1998) dizem que, apesar de se saber que “fariseu” significar “separado”, não se pode ter certeza quando a origem desse termo, apontando, então, três teorias bem comuns:
a)      Descendência dos hasidins que, no passado, foram aliados dos Macabeus, contudo, depois, foram ‘separados’.
b)      Descendência dos confederados. Um grupo que, em 135 a.C, se separou do restante do povo que não guardava a lei.
c)      Jogo de palavras judaicas que, misturadas, traduzia-se por “separação”.
Não se pode considerá-los um partido político, apesar da imensa força política que conquistariam ao longo dos anos. Abdicaram do uso da violência no período dos hasmoneus e ganharam muita popularidade entre a classe mais humilde (enquanto seus rivais, os saduceus, conquistaram a amizade da classe mais rica). Vários homens da classe média baixa faziam parte desse grupo, identificado especialmente, pelas crenças comuns e o zelo religioso. Eram organizados e possuíam uma hierarquia específica. Daniel-Rops (2008) diz que “a organização deles pode ser perfeitamente comparada com a de um partido político moderno num estado democrático de direito”.

Crenças

Eram considerados “liberais” no relacionamento com a Lei, pois consideravam como lei de Deus tanto a Torá como a tradição oral e os ensinamentos dos mestres. Acreditavam que a Lei se formava ao longo do tempo, ganhando novas interpretações de novos mestres. Daniel-Rops (2008) salienta que eles têm sido chamados de “tradicionalistas”, mas essa designação só faz sentido se a palavra tradição for entendida como lei oral.
Gostavam de observar os detalhes da Lei. A “Halacá” (corpo de decisões jurídicas que interpretava a Torá) era considerada tão obrigatória quanto à própria lei. Praticamente todas as áreas da vida humana eram reguladas por aplicações da Lei. Em Atos 1.12, por exemplo, fala sobre a “jornada de um sábado”, isso remonta a uma aplicação farisaica que estabelecia que um judeu não poderia andar, num sábado, mais do que mil passos. Caso o fizesse, estaria violando a lei. Possuíam 613 mandamentos, sendo 248 negativos e 365 positivos. Valorizavam mais as tradições acrescentadas a lei do que os princípios divinos vinculados a ela. (Tognini, 2009)
As principais doutrinas dos fariseus eram:

1. Livre-arbítrio do homem, assim criado por Deus.
2. A alma é imortal. Após a existência terrena, continua vivendo e nunca morre.
3. A ressurreição do corpo (At 23.8).
4. A existência de anjos (At 23.8).
5. Todas as coisas são dirigidas pela providência divina. 6. No mundo além, os justos serão recompensados e os maus castigados.
7. Os maus serão presos em cadeias eternas, enquanto os justos desfrutarão a vida eterna.
8. Além da alma humana, existem outros espíritos: bons e maus.

Com o passar dos anos e o crescimento do grupo, divisões foram surgindo e escolas com pensamente divergente foram criando forma dentro do movimento. As mais significativas foram as escolas de Hillel e Shammai. Esta última tinha uma visão mais estrita e detalhada da lei, já a primeira era bem mais ampliada e flexível na aplicação. Conta-se que, certa vez, um judeu pediu que Hillel explicasse toda a lei enquanto conseguisse ficar e pé numa única perna, ao que o mestre respondeu: “o que é desagradável para ti não faças a teu próximo: esta é toda a lei. O resto é comentário.”

Jesus e os Fariseus

É sabido por todos que os Fariseus foram os maiores opositores de Jesus ao longo do seu ministério terreno (Mc 3.6; 12.13; Mt 12.14; Jo 3.1). Em várias situações eles testavam ou provocavam o mestre para “apanhá-lo em algum erro”, sempre sem sucesso. Cristo, de igual modo, não poupou críticas ao grupo, chamando-os de hipócritas, raça de víboras, dentre outros adjetivos negativos.
Contudo, David Cloud[2] nos lembra que é importante notar que Jesus Cristo NÃO repreendeu os fariseus por seu zelo em obedecer os detalhes da lei (Mt 23:23). Porém, Ele os repreendeu:
(1) por suplantar a Palavra de Deus com tradições feitas por homens e assim tornar sem efeito a Palavra de Deus (Mt 15:1-9);
(2) por rejeitar a Jesus Cristo (Mt 12:22-24);
(3) por perverter o Evangelho (Mt 23:15);
(4) considerarem-se como se fossem justos e perfeitos (Lc 18:9-14); e
(5) por pesada hipocrisia (Mt 23:23); Mc 12:15; Lc 12:1).
Além disso, a Bíblia mostra que Cristo manteve contato com alguns do grupo e, inclusive, aceitou convite para comer com eles (Lc 7.36; 11.37). A relação tensa se deu pelo fato de o grupo era, em quase sua totalidade, cheio de orgulho e havia distorcido os princípios da lei e fez da mesma um fim por si só.
No Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento (ver referências) encontramos uma citação interessante, vejamos:
“Para os fariseus, Deus é primariamente Aquele que faz exigências; para Jesus, Ele é gracioso e compassivo. Naturalmente, o fariseu não negava a bondade e o amor de Deus, mas para ele, estes se expressavam na dádiva da Torá e na possibilidade de se cumprir aquilo que ali se exige (...). A tragédia era que os fariseus buscavam a Deus de um modo sincero, mas, por causa de um certo conceito particular de Deus ter se endurecido na tradição deles, fizeram sua decisão contra Jesus.”
Precisamos, portanto, entender que há atitudes desse grupo que são bastante positivas, a despeito das críticas, e que seu fervor religioso foi algo que moldou o caráter judaico ao longo dos séculos e ainda influencia muito alguns grupos mais ortodoxos hoje. Sobre isso, Russel (2007) diz: “os fariseus criaram um espírito de verdadeira piedade e devoção que afetou profundamente as vidas das pessoas, e desenvolve­ram um individualismo religioso que deu uma nova relevância à Torah de Deus." Assim, o evangelicalismo pode aprender sim com o farisaísmo, tanto com seus exemplos positivos, como com os negativos.


Referências Bibliográficas

ALMEIDA JÚNIOR, João L. Os Grupos Religiosos Hebreus Surgidos no Período Pós-Macabaico relatados no Novo Testamento: o dia-dia dos Fariseus, Saduceus, Zelotes e Herodianos. Monografia. Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil. Rio de Janeiro, 2008.
BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento – volume 1. 1ª Edição. Vida Nova, 1998.
DANIEL-ROPS, Henri. A vida diária nos tempos de Jesus. 3ª Edição. Vida Nova. Aão Paulo, 2008.
RUSSEL, David S. Entre o Antigo e o Novo Testamentos: o período interbíblico. 2ª Edição. Abba Press, 2007.
TOGNINI, Enéas. O período interbíblico: 400 anos de silêncio profético. 1ª Edição. Editora Hagnos. São Paulo, 2009.



[1] Obra judaica contendo uma compilação da tradição oral.
[2] CLOUD, David. Esses Fariseus Fundamentalistas. Disponível em: http://solascriptura-tt.org/SeparacaoEclesiastFundament/EssesFariseusFundamentalistas-DCloud.htm. Acesso em 10 de Julho de 2017.